Em ano de eleições municipais no Brasil, shows caros bancados com verbas de prefeituras viram comícios, misturando música e política.
Gusttavo Lima exaltou Simão Durando (União Brasil) em Petrolina (PE): “Isso não é um prefeito, é um paizão”. Cachê no São João: R$ 900 mil.
O prefeito de Baturité (CE), Herberlh Mota (Podemos), subiu no palco, bateu palmas e pulou enquanto Mari Fernandez puxava um coro de “Já ganhou” para ele no Carnaval. Pelo show, a cantora levou R$ 400 mil.
A reportagem levantou o valor de cachês pagos em shows de prefeituras em todo o primeiro semestre.
Os gastos foram os maiores dos últimos dez anos, segundo dados disponíveis no painel do Portal Nacional de Contratações Públicas.
Gusttavo Lima, Wesley Safadão, Ana Castela, Nattan e Zé Neto & Cristiano — os artistas brasileiros com os maiores cachês — receberam juntos R$ 76,8 milhões em dinheiro público municipal por 106 shows.
A verba supera a destinada pela Lei Rouanet a projetos musicais no período (R$ 61,7 milhões).
A Balada Eventos, empresa de Gusttavo Lima, afirmou que “cabe aos Tribunais de Contas a tarefa de fiscalizar as contas públicas”.
Edson Lucas, assessor jurídico da Prefeitura de Baturité, afirmou à reportagem que foi “uma situação irrelevante, que não trouxe benefício nem malefício para ninguém”.
Mari Fernandez não quis comentar o caso.
Ana Castela e Wesley Safadão argumentam que o valor que cobram das prefeituras paga equipe e logística.
A assessoria de Zé Neto e Cristiano afirmou que a dupla não diferencia o cachê por se tratar de prefeitura. “A valoração segue a mesma para todos os contratantes.”
O UOL também procurou Nattan e a Prefeitura de Petrolina, mas não obteve retorno.
PALCO DE POLÍTICO – Eventos cada vez mais caros ficam à mercê do uso político, especialmente em ano eleitoral, apontam promotores dos ministérios públicos estaduais, que questionaram 24 eventos musicais de prefeituras esse ano.
Para Antonio de Souza Júnior, do MP-CE, o show com Mari Fernandez em Baturité, por exemplo, foi um episódio de “clara promoção pessoal” e “abuso de poder político”.
Este tipo de conduta ilícita é responsabilidade do prefeito, não dos artistas, ele esclarece.
Em Santa Rita (PB), um dos shows questionados, o valor do São João da cidade ficou 62% mais caro que o de 2023 (R$ 8,5 milhões).
O MP-PB pediu para a cidade cortar R$ 5,3 milhões da verba.
A prefeitura afirmou que “a decisão de ampliar os gastos com os festejos juninos está dentro do poder” do prefeito, e a Justiça autorizou a festa de R$ 13,8 milhões.
Bell Marques, que cantou no São João de Santa Rita por R$ 500 mil, puxou uma conversa com o prefeito, Emerson Panta (PP), no meio do show. “Vocês aqui de Santa Rita merecem muita coisa. A primeira é ter um prefeito como o Emerson”, disse.
O UOL procurou a Prefeitura de Santa Rita e Bell Marques para comentar, mas não obteve resposta.
‘SHOWMÍCIO’ PARA QUEM ESTÁ NO PODER
A lei brasileira proíbe desde 2006 a realização de “showmícios”, apresentações musicais com objetivo de promover candidatos – seja com dinheiro público ou privado.
“Na prática eles ainda acontecem, mas só para quem tem a máquina pública na mão”, analisa Daniel Neves, presidente da Anafima (Associação Nacional da Indústria da Música).
Dani Ribas, especialista em gestão cultural, se preocupa com a falta de outros incentivos culturais nestes municípios.
“A Constituição dá autonomia a gastos dos municípios, e tem que ser assim em um país do tamanho do Brasil. Não podemos demonizar. O problema são os abusos.”.
FONTE: SPLASH UOL/RODRIGO ORTEGA