Uma reportagem exibida pelo Fantástico mostrou que laboratórios farmacêuticos pagam comissões de até 30% e até viagens internacionais para que balconistas de farmácias indiquem medicamentos e vitaminas aos clientes de farmácias.
Durante um ano, a reportagem do Fantástico examinou 12 mil páginas de processos e localizou balconistas e ex-gerentes que confirmaram a prática em Brasília, Rondônia, Pernambuco, Rio de janeiro e cidades do Rio Grande do Sul e no interior de São Paulo, sendo uma delas em Avaré.
Uma balconista de uma farmácia de Avaré chegou a ganhar uma passagem e hospedagem para a Disney, na Flórida, nos Estados Unidos, por ter sido a funcionária que mais vendeu a vitamina “Lavitan”. Especialistas ouvidos pelo Fantástico que campanhas assim, estimulam “empurroterapia”.
O que chama a atenção é que a balconista foi demitida depois de receber o prêmio do laboratório CIMED e não viajou.
Ela entrou na justiça e foi ressarcida em pouco mais de R$ 5 mil. A farmácia também foi condenada a pagar uma indenização por dano moral de pouco mais de R$ 16 mil, ou seja, a balconista recebeu mais de R$ 21 mil, para compensar a frustração de a viagem não ter ocorrido, segundo a sentença.
O grupo CIMED disse ao Fantástico que não compactua com a “empurroterapia” e que não realiza campanha de incentivo de vendas de medicamentos juto aos balconistas que pudessem levar a substituição de medicamentos prescritos por médicos.
BILHÕES DE REAIS – No ano passado, o setor faturou R$ 76,9 bilhões no Brasil, conforme dados da consultoria IQVIA. Segundo os especialistas, o pagamento de comissões pode estimular o consumo excessivo de medicamentos e fazer mal à saúde. Apesar de criticada, a prática não é tipificada como crime.
O ponto de partida da investigação foi uma pesquisa em 48 ações trabalhistas de oito tribunais do trabalho, inclusive o TRT4, com sede em Porto Alegre, nos quais os vendedores descrevem os esquemas. Ao deixarem os empregos, eles ingressaram com ações para incorporar as comissões, pagas por fora do contracheque, aos salários.
Na maioria das sentenças, os juízes reconhecem as bonificações, e condenam as farmácias a pagar direitos como horas-extra e férias, sobre as comissões.
No Rio Grande do Sul, a reportagem identificou processos em pelo menos seis cidades: Porto Alegre, Canoas, São Leopoldo, Passo Fundo, Guaíba e Taquari, onde uma balconista revelou que os repasses de laboratórios eram entregues por motoboys, em dinheiro vivo.
“O critério de pagamento da bonificação é individual, ou seja, [pago] pelas vendas realizadas, inclusive o subgerente e o farmacêutico”, declarou um vendedor em depoimento à Justiça do Trabalho, em Porto Alegre.
Os pagamentos podem ser, ainda, na forma de cartão de débito, viagens internacionais ou até em vales-compra e eletrodomésticos, como descreve uma auditoria do Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul, realizada em uma farmácia de um instituto de previdência de servidores municipais do interior.
“O balconista que entra há pouco tempo em farmácia, a primeira coisa que ele aprende: tu ganha comissão se tu vender esse produto. É a primeira coisa que eles ensinam”, explica um balconista da Região Metropolitana de Porto Alegre, com 15 anos de experiência.
Sem saber que eram gravados por uma câmera escondida, vendedores e gerentes admitiram o comissionamento.
Um dos segmentos mais lucrativos é o de vitaminas. Um frasco de cálcio, de R$ 69, por exemplo, rende ao vendedor uma comissão de R$ 10, conforme tabela obtida pela reportagem. “Tem que empurrar. Tem que tentar incentivar ele levar. Incentiva ele levar e tu ganha comissão”, declarou um balconista de uma rede de farmácias, no Centro de Porto Alegre.
A falsa ideia de que vitaminas aumentam a imunidade contra a Covid é uma das táticas usadas para empurrar os suplementos, como comprovou a reportagem.
O Sindicato das Indústrias Farmacêuticas (Sindusfarma) condenou o pagamento de comissões. “Fui pego de surpresa com a informação que você está passando. Reajo com muito espanto porque, de fato, todos os associados do Sindusfarma, quando eles entram na entidade, eles assinam um código de conduta e um código de ética. Ele diz que não é permitido esse tipo de comissionamento a médicos e a qualquer pessoa que faça parte da saúde”, destaca Nelson Mussolini, presidente-executivo do sindicato, que orienta os clientes a sempre seguirem a prescrição médica.
Já a Associação Brasileira das Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma) afirmou desconhecer o pagamento de comissões.