Na noite do dia 14 de março de 2003, o juiz Antônio José Machado Dias saiu do Fórum de Presidente Prudente e, segundo assessores da época, dispensou a escolta policial, que sempre o acompanhava, porque era uma sexta-feira e ele iria direto para casa.
A cerca de 300 metros do Fórum da Comarca de Presidente Prudente, na Rua José Maria Armond, na Vila Roberto, o carro dele foi surpreendido por outros dois veículos. O primeiro disparo dos criminosos atingiu a cabeça do juiz, que fez com que ele perdesse a direção do veículo e batesse contra uma árvore.
Outros três disparos certeiros atingiram o então corregedor dos presídios do Oeste Paulista, aos 47 anos de idade, na cabeça, no braço e no peito.
Foi o primeiro ataque direto executado pelo crime organizado contra uma autoridade do Poder Judiciário no Brasil.
A Polícia Militar chegou ao local pouco tempo depois e isolou a área. Na cena do crime, foram encontradas três cápsulas de pistola de calibre 9 milímetros, de uso exclusivo do Exército.
Um dos carros utilizados no assassinato foi abandonado a poucos metros do local e, posteriormente, a polícia descobriu que havia sido roubado em São Paulo e ostentava uma placa fria de Presidente Prudente.
O corpo do magistrado foi levado para o Hospital Universitário, atual Hospital Regional (HR), para necrópsia e, em seguida, velado na sede da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em Presidente Prudente. Ele foi sepultado na capital paulista, onde nasceu, no Cemitério São Paulo.
Em 2023, 20 anos depois do assassinato do juiz Antônio José Machado Dias, o g1 voltou ao local onde o magistrado foi executado por integrantes da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC).
Na Rua José Maria Armond, já não existe mais a árvore em que o carro do magistrado ficou preso, porém, a reportagem conseguiu conversar com Aparecido de Oliveira Camargo, de 75 anos, que como oficial de Justiça trabalhou com o juiz no Fórum e mora na rua onde tudo aconteceu. Ele também foi uma das primeiras pessoas a ver o corpo de Machado Dias e contou ao g1 as lembranças que tem daquele dia.
“Eu vim. Eu vim, do jeito que eu estava. De short, sem camisa, sem nada. Cheguei aqui e eu vi o carro. Quando eu cheguei aqui, eu já tinha escutado o barulho dos tiros”, relembrou Camargo.
Após sair de sua casa, que fica a cerca de 50 metros da árvore onde o carro do magistrado ficou preso, o aposentado descreveu emocionado as cenas que viu.
“Olhando para o juiz ali, meu amigo, meu amigo. Falei com ele: ‘Machado, Machado’. Ele não respondia mais. Liguei para o Fórum, para a pessoa que me atendeu lá, a funcionária que me atendeu, falei para ela: ‘Olha, o doutor Machado está aqui falecido ao lado da minha casa’. Aí falei para eles: ’Avisa para alguém que estiver aí, algum juiz, promotor, vem aqui’ “, relatou o aposentado ao g1.
PLANEJAMENTO CRIMINOSO – O juiz Antônio José Machado Dias, chamado carinhosamente por seus amigos como Machadinho, é lembrado como uma pessoa extremamente simpática, sempre sorridente e querida por todos. E é assim que o promotor de Justiça Lincoln Gakiya, que integra o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público do Estado de São Paulo (MPE-SP), se recorda do amigo pessoal e profissional. Ele contou ao g1 como foi todo o planejamento dos criminosos até o assassinato do juiz.
“A facção pretendia cometer um assassinato contra uma autoridade, que esse assassinato tivesse uma repercussão nacional e o juiz Machado Dias tinha uma atuação destacada na área de execução criminal. Ele atuava como juiz de execução criminal em várias unidades prisionais aqui da região de Presidente Prudente, na região oeste do Estado. E, também, eu creio que ele foi escolhido muito pelo fato de atuar nessa área de execução criminal, mas, também, eles verificaram que havia uma vigilância, uma escolta, muito deficiente para o juiz na época”, disse Gakiya.
O promotor relatou ainda que a facção conseguiu executar o crime sem muita dificuldade, pois “pegou o magistrado sem qualquer tipo de escolta”.
“Eles planejaram esse crime com bastante antecedência, tinham criminosos que são profissionais nessa área, que estudaram o local do crime. Inclusive, chegaram a ir até o Fórum, tiveram contato pessoal com o juiz Machado Dias, fizeram vigilância na residência dele para achar o ponto mais vulnerável, que foi o local onde ele foi surpreendido por um veículo que bateu no veículo dele e acabou sendo assassinado”, reforçou o membro do Gaeco.
CONDENAÇÕES – Cinco pessoas, todas integrantes da facção criminosa, foram condenadas por envolvimento no assassinato do magistrado. Confira abaixo as condenações:
Reinaldo Teixeira dos Santos (Funchal): condenado a 30 anos de prisão por efetuar os disparos que mataram Machado Dias. Atualmente, está preso no sistema penitenciário federal.
Ronaldo Dias (Chocolate): condenado a 20 anos de reclusão por participação no assassinato. Ele era o condutor do carro que interceptou o veículo do juiz. Atualmente, está preso na Penitenciária Maurício Henrique Guimarães Pereira, a P2, em Presidente Venceslau (SP).
João Carlos Rangel Luisi (Johnny): foi condenado a 19 anos de reclusão por participação no homicídio. Deixou o sistema penitenciário paulista em abril de 2015.
Marcos Willians Herbas Camacho (Marcola) e Júlio César Guedes de Moraes (Julinho Carambola): foram condenados a 29 anos de prisão cada por serem os mandantes intelectuais do crime. Atualmente, ambos estão presos no sistema penitenciário federal.
PRESO EM AVARÉ – Já Adilson Daghia, o Ferrugem, está preso na Penitenciária Paulo Luciano Campos, em Avaré, e aguarda julgamento. Ele é acusado de ser o motorista de um veículo que fazia a cobertura dos criminosos que mataram Machado Dias.
Também foi denunciado pelo Ministério Público como mandante do crime Sandro Henrique da Silva Santos, o Gulu. No entanto, ele morreu assassinado na Penitenciária Lindolfo Terçariol Filho, a P2, em Mirandópolis (SP), em 2005, antes do julgamento.
Segundo Gakiya, os familiares dos envolvidos no assassinato do juiz Machado Dias receberam imóveis após o crime e ganham, até hoje, uma pensão vitalícia da facção.
“Um detalhe: eles foram premiados na época pela facção. Cada um deles ganhou um imóvel para sua família e eles recebem uma pensão, por incrível que se pareça, uma pensão vitalícia os familiares recebem por eles terem essa participação e cometido esse assassinato contra o Machado Dias”, reforçou o promotor.
O assassinato do juiz Machado Dias foi um marco para a Justiça brasileira, pois foi o primeiro magistrado morto a mando de uma facção criminosa e, para o promotor Lincoln Gakiya, o crime tem provocado efeitos até os dias atuais com uma parcela do Poder Judiciário preferindo não trabalhar na área criminal, principalmente em casos que envolvam o crime organizado.
O integrante do Gaeco ainda reforçou a situação pessoal em que ele próprio se encontra: com diversos planos para assassiná-lo e precisando de escolta armada 24 horas por dia. Apesar disso, para ele, a instituição é maior do que o crime organizado.
“Então, eu acredito que, embora gravíssimo, embora tenha causado muita dor, principalmente em nós aqui de Presidente Prudente, que éramos muito próximos do Machado Dias, inclusive amigo pessoal de pescaria, de futebol, de horas de lazer, mas nós temos que pensar que a instituição é maior do que o crime organizado. Então, outras condenações vieram, outras investigações, esses criminosos, sobretudo esses líderes, já foram isolados aqui do Estado de São Paulo e eu creio que o episódio do Machado sirva de lição, em termos de combate ao crime organizado, que é um combate que tem que ser duro, tem que ser eficiente e que não pode parar. Assim como o crime não para nas suas ações, em termos de planejamento, de execução, de atentados. Também nós aqui do Ministério Público, as polícias Civil, Militar, Federal e também a magistratura, nós estamos atentos a tudo isso”, finalizou Gakiya ao g1.
Fonte: G1